quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Como fazer adubo orgânico com o lixo domestico

O nome desse processo écompostagem. Quando você transforma seu lixo em adubo, pode oferecer ao solo um material rico em nutrientes (no caso de uma horta ou mesmo para as plantas do seu jardim) e, principalmente, ajuda a reduzir a quantidade de lixo que vai diariamente para os aterros e lixões do Brasil. Aprenda a fazer a compostagem doméstica e mãos à obra!
PASSO 1 – O recipiente
Você deve ter um recipiente para colocar o material orgânico. Pode ser um pote de sorvete, uma lata de tinta ou um balde. Vale usar a criatividade com o que estiver ao seu alcance. Se der para reaproveitar algum recipiente, melhor ainda. É importante furar o fundo. Você pode fazer isso manualmente, variando o tamanho dos buracos. É por eles que o chorume (líquido eliminado pelo material orgânico em decomposição) vai passar.
Um detalhe importante é que ochorume pode ser reaproveitado, pois, neste caso, é um fertilizante de alto potencial (já que é originadoapenas de matéria orgânica). Você pode recolhê-lo e devolver à mistura da sua compostagem ou ainda jogar em plantas, diluído (anote a proporção: 1 copo de chorume para 9 copos de água).
PASSO 2 – A composteira
Embaixo do recipiente no qual você vai colocar o material orgânico, deve haver outro que vai “recolher” o chorume. Pode ser uma bacia mais rasa, por exemplo. Ela não pode ficar em contato direto com a lata ou o pote, pois o chorume deve ter um espaço para escorrer. Use um calço – como pedaços de tijolo – para colocar em baixo da lata e deixá-la um pouco mais “alta” em relação à bacia. (A compostagem até pode ser feita em contato direto com o solo, mas neste caso o terreno deve ter boa drenagem e ser inclinado, para que o chorume não acumule em um local só).
PASSO 3 – Hora de colocar o lixo
Fazer compostagem em casa não é só jogar o lixo orgânico de qualquer jeito e deixar que a natureza faça “o resto sozinha”. Existe um método para viabilizar, facilitar e acelerar a decomposição do material orgânico. O segredo é sobrepor os tipos de resíduos orgânicos, ou seja, o processo é feito em camadas.
O que regula a ação dos microorganismos que vão decompor o material é a proporção de nitrogênio e carbono. Essa relação deve ser de três para um. Ou seja, uma camada de nitrogênio para três camadas de carbono. O que é nitrogênio? É o material úmido (o lixo, em si). O que é o carbono? É matéria seca, como papelão, cascalho de árvore, serragem, folhas secas, aparas de grama e palha de milho. (Se a relação for diferente desta, não significa que não ocorrerá o processo de compostagem, apenas que vai levar mais tempo).
E… pique, pique, pique! Quanto menor estiver o material que você colocar (tanto o seco quanto o úmido), melhor. Comece com uma camada de material seco, depois coloque o material úmido. Depois coloque outra camada de material seco, umedeça-o um pouco e continue o processo. É importante que a última camada (a que vai ficar exposta) seja sempre seca, para evitar mau cheiro. Uma opção é colocar cal virgem por cima. Outro detalhe essencial é: não tampe a composteira. O material orgânico não pode ficar abafado.  Ah, procure sempre manusear a sua composteira com luvas.
O que você pode usar:
- Resto de leite;
- Filtro de café usado;
- Borra de café;
- Cascas de frutas;
- Sobras de verduras e legumes;
- Iogurte;
O que você não pode usar:
- Restos de comida temperada com sal, óleo, azeite… qualquer tipo de tempero;
- Frutas cítricas em excesso, por causa da acidez;
- Esterco de animais domésticos, como gato e cachorro;
- Madeiras envernizadas, vidro, metal, óleo, tinta, plásticos, papel plastificado;
- Cinzas de cigarro e carvão;
- Gorduras animais (como restos de carnes);
- Papel de revista e impressos coloridos, por causa da tinta.
PASSO 4– Espere, mas cuide
Depois que você montou toda a estrutura, é hora de dar tempo ao tempo. A primeira fase é de decomposição, quando a temperatura interna do material que está na composteira pode chegar a 70°C. Isso dura cerca de 15 dias, no caso da compostagem doméstica. Nesse período, o ideal é não mexer. Depois, revolver o material é super importante para fornecer oxigênio ao processo. Essas “mexidas” podem ser feitas de diversas formas: com um “garfo de jardim” ou trocando o material de lugar –  para uma outra lata, por exemplo.
Nesse ponto, você pode se perguntar: mas eu gero lixo orgânico todo dia.Posso jogá-lo na composteira diariamente? Melhor não. Você tem algumas alternativas. O ideal é acrescentar matéria orgânica cada vez que for “mexer” na sua composteira, ou seja, a cada 15 dias, mais ou menos. Nesse intervalo, guarde as suas cascas de frutas, verduras e o resto que for reaproveitável em um potinho na geladeira.
O tempo para ter o adubo final varia em função da quantidade de lixo usado e pela forma como a compostagem é feita. É possível chegar ao final do processo em 2 ou 3 meses. O indicativo de que o húmus (adubo) está pronto é quando a temperatura do composto se estabiliza com a temperatura ambiente. Para saber, use os sentidos: a cor é escura, o cheiro é de terra. E , quando o esfregamos nas mãos, elas não ficam sujas.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sociologia vs ambiente

No meio de polêmicas ideológicas e científicas, os modelos de subsistência têm sido muito úteis no entendimento do comportamento humano. É fundamental que sejam encarados como modelos analiticos, ou seja, ferramentas úteis para entendermos o que se passa entre o homem e a natureza.
Sociobiologia
A sociobiologia desenvolveu-se a partir dos anos 70 e inclui disciplinas como a etologia clássica, a ecologia evolutiva e a genética. Com relação à etologia, Fox & Fleising (1976) chamam a atenção quanto ao sucesso desta área sob Lorenz e Tinbergen, influindo também a primatologia de Washburn, a importância crescente da ecologia e os nonos avanços na biologia molecular, endocrinologia e neurologia.
A etologia clássica é uma precursora da sociobiologia, na medida que a base genética de comportamentos humanos é uma das abordagens da área. Os trabalhos de Lorenz (1963) sobre a agressão humana e as comparações entre os comportamentos humanos e os de outros animais (Ardrey, 1966; Morris, 1967; Tiger & Fox, 1971; Tinbergen, 1968) são exemplos clássicos de estudos de etologia.
Hamilton (1964) e Wilson (1975, 1978) são os precursores da sociobiologia. O primeiro ao desenvolver o conceito de aptidão inclusiva e o segundo com os trabalhos sobre socialidade em insetos e no homem.
O conceito de aptidão inclusiva engloba o valor adaptativo individual (prole) e a representação genética em parentes próximos. Por exemplo, entre insetos sociais (abelhas, formigas, vespas), pela característica peculiar da determinação do sexo nestes grupos, as irmãs são mais próximas geneticamente entre si do que com a mãe. Assim, como observado, a ajuda entre irmãs aumenta a aptidão inclusiva (Alcock, 1989). Dessa forma, comportamentos "altruísticos" passaram a ser explicados. Cabe lembrar que em biologia altruísmo significa um ato que aumenta as chances de sobrevivência e reprodução do receptor em detrimento destas no ator. Assim, o cuidado parental, o amor fraterno e as "obrigações familiares passam a ser explicadas pelo chamado índice ou coeficiente de parentesco. Este índice (r) é a probabilidade média de gens aserem compartilhados por dois parentes. Por exemplo, entre irmãos é de 50% e entre tio-sobrinho ou avô-neto é de 25%. A forma de calcular este índice pode ser encontrada em Barash (1977: 87) ou Dawikins (1976: 117).
Da interação da ecologia (evolutiva e de sistemas) com a antropologia, surge a ecologia cultural ou antropologia ecológica.
O livro Sociobiology de Wilson (1975) foi a semente. inicial da disciplina e de uma grande polêmica dentro das ciências biológicas e entre estas e as ciências sociais. Apesar de no Brasil termos tido pouco contato com a sociobiologia, por razões que não cabe discutir neste texto hoje a sociobiologia, é reconhecidamente uma disciplina importante e conta com periódicos conceituados comoo Behavioral Ecology and Sociobiology e Ethology and Sociobiology.
Uma das grandes contribuições da sociobiologia é ter questionado um antropocentrismo tão difundido nas ciências sociais. Mesmo sendo o homem 'tum caso especial evolutivo", de acordo com Wilson (1978), a evolução não tornou a cultura toda poderosa. Em outras palavras, a cultura é carregada por organismos que contém gens (Boyd & Richerson, 1981).
A contribuiçãxo daquele que pode ser considerado como o fundador da sociobiologia (E. O. Wilson) é extensa e o assunto é polêmico. Em 1975 e 1978, Wilson chamou a atenção para a flexibilidade comportamental humana, que teria base genética e sera mantida inclusive por falta de competição com outras espécies. Ao mesmo tempo, Wilson observou padrões comuns de comportamento humano em distintos povos e culturas. Ou seja, não há população humana sem família nuclear, sem formalização de parentesco, sem rituais sacros, sem ética ou regras de ação social, sem estética, sem estrutura gramatical e sem homossexualismo, dentre outros. As formas de expressão de comportamento podem variar entre os povos, mas o comportamento é o mesmo. Por exemplo, ponos com religiões diferentes acreditam em deuses com formas e em número diferentes. Entretanto, todos têm alguma forma de ritual sacro. O trabalho de Wilson, junto com Lumsden (1981, 1983) se tornou complexo, aprofundando mecanismos mentais e modelos sobre evolução humana. Exemplos são as regras epigenéticas, ou a canalização do desenvolvimento mental e os culturgens, que são um grupo homogêneo de construçoes mentais e seus produtos. Este último conceito assemelha-se ao que Dawkins (1976) chamou dememes (idéias, traços, culturais). Por exemplo, modas são um exemplo de um meme de curta duração e tradições exemplificam um meme de longa duração.
Em sociobiologia humana, muitos outros pesquisadores estudaram temas específicos. Alexander (1979) analisou as relações entre formalizações de parentesco e a proximidade genética. Por exemplo, a existência de sociedades matrilineais é explicada pela baixa confiança na paternidade e a transmisão da herança do homem para os filhos da irmã é uma conseqüência de pouca confiança em paternidade. Para ambos os casos, não vale a pena um indivíduo "investir" em filhos biológicos. Como os filhos da irmã são, com certeza, geneticamente relacionados ao indivíduos a herança é transmitida a eles. Mulder (1988) pesquisou os Kipsigis do Quênia e observou que um alto dote é pago para noivas jovens e um dote baixo é pago para noivas com filhos de outro homem. Os Kipsigis não adotam facilmente crianças. Outros trabalhos sobre parentesco, estratégias femininas e masculinas, individuais e grupais estão em Chagnon & Irons (1979).
Os trabalhos de Trivers (1971, 1985) sobre altruísmo são muito importantes nesta área. Atos altruístas humanos, são, por exemplo, a ajuda em momentos de perigo, a divisão de comida, ajuda a doentes, crianças e idosos e a divisão de conhecimento. O altruísmo inclui desde a dedicação paterna e o nepotismo (aí com aumento de aptidão inclusive) ao chamado altruísmo recíproco, quando o altruista pode ter uma recompensa não-genética. Assim, conforme a idade avança, tanto os custos como os benefícios do altruismo diminuem, porque a idade reprodutiva já passou e as possibilidade do indivíduo ser recompensado "em tempo" diminuem. A análise das relações de cooperação levaram Axerold (1984) a simular em computador como funciona o altruísmo recíproco em vista das possibilidades de trapaça (ato não recompensado. A estratégia échamada de "TIT-FOR-TAT" ("toma lá, dá cá"): comece cooperando e faça o que o oponente faz, ou seja, não coopere se for trapaceado mas aceite as desculpas e volte a cooperar. Nas populações humanas, as conseqüências do altruísmo, em todas as suas modalidades são a amizade, a agressão moral ou ingratidão (quando a trapaça é descoberta), a gratidão, a culpa e reparo e o senso de justiça. Xenofobia e atos de heroísmo são também analisados por Alexander (1979) como relacionados a altruísmo.
Outros sociobiólogos são Barash (1977, 1979, 1986), que analisa comportamentos de outros animais comparados ao do homem e Van der Berghe (1973), que estuda a sexualidade.
Cabe aqui uma pequena observação. A sociobiologia não pretende substituir explicações culturais, mas sim contribuir com dados genéticos que influenciam o comportamento. São faces diferentes da mesma moeda. Por exemplo, estudar o parentesco sob o ponto de vista biológico é tão fundamental como sob o econômico ou cultural (formação de alianças). Felizmente, o debate cultura versus gens foi praticamente superado e hoje não é mais levado a sério pelos estudiosos da área e pela comunidade científica.
A polêmica gerada pela sociobiologia foi intensa entre 1975-85. Iniciando-se como o Study Group of Science for the People esta disciplina foi acusada de determinista, de manter o status quo das desigualdades no mundo e foi considerada como uma teoria "de direita". De acordo com Wilson (1978), na revista Science for the People de Novembro de 1975, as críticas mais importantes deste grupo dirigiram-se ao deerminismo biológico e ao revisionismo soviético. Sahlins (1977) e Lewontin et al. (1984) analisam de forma crítica, e também ideológica, a disciplina. Vale a pena consultar Ruse (1983) sobre este debate.
Dentro da ecologia evolutiva, alguns pesquisadores criticaram algumas premissas da sociobiologia, que é a de coonsiderar a cultura sendo governada pelos mesmos mecanismos evolutivos que os gens e desta ser sempre considerada como "adaptativa" ("argumento das origens naturais" - Boyd & Richerson, 1985). Este grupo é o que defende a coevolução dos gens e da cultura e, sem desmerecer a grande contribuição sociobiológica, tenta avançar nos modelos de transmissão cultural.
A intereção da ecologia evolutiva com a etologia ajuda no surgimento da sociobiologia.
Modelos de Transmissão Cultural
Os precursores dos modelos de transmissão cultural encontram-se na década de 70. Um deles, Ruyles (1973), compara a "estratégia dos gens" para se reproduzirem com a "estratégia das idéais" para se reproduzirem na mente dos indivíduos. Cloak (1975) analisa como a seleção natural atua na cultura e discute a possibilidade de uma "etologia cultural". Em 1978, Durbam afirma que a seleção cultural écomplementar à seleção natural, sem a base genética da segunda e que o estudo do comportamento social humano deve integrar os mecanismos de herança genética e cultural. A comparação entre os dois sistemas é analisada por Durham en 1982.
Caminho semelhante éseguido por outros pesquisadores interessados na integração ou coevolução dos sistemas genético e cultural. CavalliSforza & Feldman (198l) definem cultura com ênfase na transmissão cultural, ou seja, sendo a capacidade de aprender e transmitir conhecimento entre gerações. A transmissão cultural vertical (pais para filhos), horizontal (mesma geração) e oblíqua (entre gerações) é analisada pelos autores citados junto com as forças de evolução cultural. Estas são mutação (erro ao copiar), seleção natural (quando um traço cultural aumenta as chances de reprodução, seleção cultural (probabilidades de que uma idéia aumente de freqüência em uma população). A difusão de inovações, ou de um traço cultural, écomparada a uma epidemia, quando há aumento de freqüência de um vírus. Os autores mostram que certos traços culurais podem não ter relação alguma com a aptidão, como beber coca-cola ou brincar com iô-iô, idéia compartilhada por Pulliam & Dunford (1980).
Os pesquisadores preocupados em entender o comportamento sob o ponto de vista genético e cultural focalizaram seus estudos em quatro aspectos: comparar sistemas de herança genético e cultural, entender as forças de transmissão cultural (seleção cultural, por exemplo), entender as principais estratégias de aprendizado humano em termos evolutivos (tentativa-e-erro, imitação e aprendizado social-Pulliam & Dunford, 1980) e calcular os "coeficientes de similaridade cultural" (análogos aos coeficientes de parentesco genético).
O coeficiente de similaridade cultural baseia-se na probabilidade de indivíduos dividirem a mesma idéia. Por exemplo, coeficientes de similaridade entre pais e filhos variam entre 0 e 1, dependendo do grau de influência dos pais. Pais ausentes tenderão a apresentar um coeficiente baixo em relação aos filhos. Estes coeficientes foram modelados para o entendimento de sistemas de parentesco e herança, como por exemplo matrilincaridade. Os resultados foram comparados aos de Alexander (1979) na sociobiología. A matrilinearidade, também explicada por alta incerteza da paternidade, aumenta as chances de ausência paterna e diminui sua influência no aprendizado da prole, apresentando coeficiente baixo entre pai e filhos e alto entre mãe e filhos. A cooperação foi também estudada em relação ao tipo de residência (patrilocal ou matrilocal). Onde há um maior coeficiente de similaridade cultural há maior cooperação, como entre irmãos de residência patrilocal (Pulliam, 1982; Werren & Pulhan 1981).
Boyd & Richerson (1985) sistematizaram as diferenças e semelhanças entre os sistemas genético e cultural e propuseram algumas forças de evolução cultural sem analogia com as genéticas. O modelo proposto chama-se herança dual (dual inheritance). De acordo com os autores, os mecanismos evoluüvos genéticos são conhecidos e falta entender os mecanismos evolutivos culturais.
As forças de evolução cultural de Boyd & Richerson (1985) são a) variação ao acaso (análoga àmutação): por exemplo, a tradição oral "muda" os fatos; b) oscilação cultural (análogo à oscilação genética): perdas de traços culturais ao acaso, em populações isoladas e pequenas; c) variação dirigida (guided variation): inclui aprendizado por tentativa-c-erro, introduz variação na população; d) seleção natural: comportamentos que aumentam as chances de sobrevivência aumentam de frequencia em uma população; e) transmissao desviada (biased transmission): inclui os desvios diretos, indiretos e dependentes de freqüência. Esta é uma das principais forças de evolução cultural, baseada na imitação, já que de acordo com Boyd & Richerson (1985) é muito menos custoso imitar que tentar-e-errar.
O desvio direto (direct bias) inclui a imitação de um comportamento sob observação, onde os resultados podem ser avaliados. Por exemplo, experimentar uma inovação após ter observado seus efeitos com terceiros. O desvio dependente de frequência (frequency dependent bias) significa imitar comportamentos muito comuns ou muito raros. A imitação de comportamentos comuns aumenta de chances de imitar um comportamento adaptativo ("em Roma faça o que fazem os romanos"). O desvio indireto (indirect bias) pode ser representado pela imitação do comportamento de um modelo, que pode ser um líder, um professor, um músico (imitar o modelo gera prestígio). Este tipo de imitação pode gerar traços comportamentais exagerados e mal-adaptados. Um exemplo é a forma exagerada de se tatuar na Polinésia, onde muitas vezes todo corpo era tatuado, sendo doloroso, perigoso e caro.
Estudos empíricos incluindo transmissão cultural podem ser exemplificados com estudos sobre difusão de inovações, onde a transmissão de uma inovação entre indivíduos é analisada, podendo incluir forças de evolução cultural diferentes em etapas diferentes do processo (Begossi, 1989; Begossi & Richarson, 1991; Bold & Richarson, 1985).
Os sistemas de herança genético e cultural nem sempre são concordantes, de acordo com Bop & Richerson (1985). Por exemplo, a maternidade precoce aumenta a reprodução genética mas pode diminuir a cultural. Uma forma de maximizar a reprodução cultural pode ser através de um trabalho relacionado à formação intelectual de pessoas.
Algumas das discordâncias desta linha de trabalho com a sociobiologia incluem a ênfase de que nem sempre um comportamento é adaptativo em termos genéticos, que a cultura não é um extensão do fenótipo (o fenótipo é o resultados de dois sistemas de herança) e que a imitação é uma das forças mais importantes de evolução cultural. Para uma crítica aos modelos de coevolução gens/cultura, veja Flinn & Alexander (1982).
O "objetivo" da natureza é minimizar o máximo de retorno ao consumidor (MINIMAX) e o do consumidor é o de maximizar o mínimo de retorno (MAXIMIN).
Ecologia Aplicada
Nesta linha de pesquisa são estudados os aspectos relacionados à ecologia de populações, em particular sobre a relação das populações humanas (aspectos demográficos) com a quantidade (escassez) e qualidade (poluentes) dos recursos disponíveis. O debate sobre conservação, manejo e diversidade se enquadra nessa linha. Para a análise sobre a biodiversidade, consultar Wilson (1988, 1992).
Um conceito básico e útil na ecologia aplicada é o de capacidade de suporte. Esta representa o limite máximo de indivíduos que um ambiente pode suportar e é representada por K na equação logística de P. Verhulst (1838) e R. Pearl/L. Reed (1918) (Kormondy, 1976; Putman & Wratten, 1984). Alguns pesquisadores têm se preocupado com a aplicação e operacionalidade do conceito de capacidade de suporte em populações humanas. Fearríside (1986) estudou a relação entre o tamanho da população e a agricultura de pequenos colonos. Estes estudos referem-se em particular à colonização na Transamazônica e a projetos de colonização em Rondônia (Fearnside, 1980, 1987). Por exemplo, a relação entre colonização, desmatamento, construção de escadas e capacidade de suporte foi simulada por Fearnside (1986).
Uma das perguntas restes estudos se refere a como medir a capacidade de suporte. Para a agricultura de pequenos colonos, que envolve queimadas e rotação de terras, existem propostas diferentes de diversos autores. Fearmide (1986) apresenta algumas fórtnulas utilizadas para se calcular a capacidade de suporte, onde K é definida como a área per capita máxima dísponível para a agricultura e onde o consumo médio/per capita/ano, o número de áreas por período de plantio e a produção são íncluídos na fórmula.
Outra abordagem da ecologia aplicada relaciona crescimento populacional com deterioração ou escassez de recursos a nível mundial. Esta abordagem foi na realidade iniciada por Malthus (1798), que alertou sobre o crescimento da população (em progressão geométrica) que não acompanharia o da produção (em progressão aritmética). Malthus chama a atenção para os "cheques" preventivos (casamentos tardios, por exemplo) e positivos (doenças, miséria) que seriam necessários ou conseqüência do crescimento populacional. Malthus foi bastante criticado por Marx & Engels (veja coletânea de textos em Meek, 1971). As linhas recentes nesse debate são definidas como neo-malthusianas, marxistas ou nenhuma das duas. Dentro do "neo-malthusianismo", os trabalhos de Ehrlich et al. (1973), 1977) são talvez os mais representativos.
Em 1968, Paul Ehrlich chamou muito a atenção sobre o problema do tamanho da população e da limitação dos recursos; com o livro "The population bomb". Em 1973 (p. 8), Ehrlich et al. no livro "Human Ecology" mencionam de forma alarmista que a população humana, o consumo de recursos e o impacto iio ambiente estão crescendo exponencialmente. Em 1977 é lançado por Ehrlich et al. um verdadeiro tratado de 1051 páginas (Ecoscience) onde são analisados os ciclos de nutrientes, a população humana, os recursos renováveis, energio materiais e poluentes, incluindo tambem análises sobre controle populacional e mudanças sócio-políticas. Para estes autores, o controle populacional éa meta principal para amenizar o impacto das populações no ambiente e assegurar um nível de vida razoável às populações do Panes. Na década de 80, Ehrlich & EhrEch, (1986a) continuam a chamar a atenção para a destruição de recursos (combustíveis fósseis, so!os, espécies), deterioração do ambiente, desigualdades econÔmicas dentro e entre países, separatismos étnicos e religiosos, fome e desemprego. Para estes pesquisadores, estes aspectos se relacionam e derivam, basicamen'te, de um mundo superpopuloso. Ehrlich & Ehrlich (1 986b) afirmam que apesar de no passado a humanidade ter aumentado com sucesso sua capacidade de suporte com mudanças tecnológicas, este processo tem limites e existem razões para acreditar que estes limites chegaram. Outro pesquisador muito conhecido por esta abordagem éHardin (1967).
Outros estudos conhecidos com este enfoque foram o relatório do Clube de Roma (Meadows et al., 1972) e o Global 2000 (Barney, 1980). De acordo com este estudo, em 2030 existirão 10 bilhões de pessoas no planeta. Além disso, em regiões como as da África do sub-Saara e do Himalaia a capacidade de suporte foi excedida e a erosão da terra não garante más a produção de alimentos. No caso da região do subSaara, vale mencionar o estudo de Franke & Chasin (1980), que com outro enfoque, encontraram no colonialismo uma parcela fundamental de responsabilidade pela degradação ambiental naquela região.
A abordagem neo-malthusiana foi criticada por marxistas (Meek, 1971; Castellón, 1988) e não marxistas (Murdoch, 1980). De acordo com Meck (1971), existem recursos disponíveis mas pouca gente pode comprálos para os marxistas, pobreza e superpopulação são gerados pelo sistema de produção capitalista (Castellón, 1988).
O modelo mais utilizado em ecologia humana é o modelo de forrageamento ótimo, que tem sido amplamento usado para entender o comportamento dos animais.
Outra crítica ao neomalthusianismo é a de que a população deve ser uma variável dependente e não independente. Ou seja, a superpopulação é camada pela pobreza. Murdoch (1980) analisa, sob este ponto de vista, como a pobreza rural causa explosão populacional e como limita a produção de alimentos. Esta premissa está baseada na racíonalidade da decisão de ter muitos filhos em famílias pobres: os filhos ajudam no trabalho e garantem segurança e sustento na velhice. Além disso, pode ocorrer também a chamada "sobreprodução" de filhos: em situações de miséria, já que muitos filhos morrem ou têm grande chance de morrer por problemas de subnutrição ou doença (os "cheques positivos" de Malthus), então ter um número grande de filhos "garante" a sobrevivência de alguns. Esta lembra a "estratégia r" em organismos. Em ambientes considerados instáveis (ex. estágios iniciais de sucessão) uma estratégia adaptativa é investir em quantidade e não em qualidade ("estratégia K") (Puttman & Wratten, 1984), Para uma revisão do assunto veja Caldwell (1982).
Em sumo pelo menos duas questões permanecem no debate sobre população e disponibilidade de recursos: a) quanto maior a população maiores são a demanda por recursos e o "lixo" produzido por sua utilização - qual é este limite (K) ? Ou seja, mesmo com aumento da produção através de mudanças tecnológicas, esbarra-se no limite ambiental, h) se a pobreza é um dos fatores que contribui para o aumento populacional, o crescimento populacional não será somente resolvido com planejamentos familiares. Distribuição de recursos é o fator fundamental, Na prática, todas as abordagens mencionam de alguma forma estes aspectos, mas as prioridades são diferentes. Em setembro de 1989, um volume especíal da Scientific American foi dedicado à questão do manejo do planeta, incluindo o crescimento populacional (Managing planet earth).
Cabe também mencionar a linha de Boserup (1981) na antropologia, que relaciona o crescimento populacional com a mudança tecnológica. O primeiro impulsionaria a segunda e a história poderia ser analisada desta forma. Apesar desta linha ser considerada contrária à neo-malthusiana, existem tentativas de conciliar as duas (Lee, 1984).
Finalmente, dados recentes sobre a si,uação ambiental e populacional no mundo foram muito divulgados por diversas agências internacionais no Forum Global 92, Rio de Janeiro. A publicação Sociedade civil planetária (Nepam/Unicamp: no prelo) inclui uma avaliação dos tratados propostos durante o Forum Global.

Conclusões

As abordagens de ecologia humana expostas neste trabalho, como a ecologia cultural, a etnobiologia, a sociobiologia, os modelos de subsistência e de transmissão cultlural, e a ecologia aplicada têm um ponto comum: todas apresentam uma base ecológica com forte conteúdo biológico. Para entender a relação do homem com a natureza é necessário conhecer ambos e os conceitos e modelos analíticos de ecologia são uma contribuição para o entendimento da natureza e da relação entre as populações humanas e esta.
Não há divergência entre as linhas apresentadas: ao contrário, elas são complementares pois abordam perguntas diferentes e têm metodologias próprias de trabalho. São faces diferentes de uma mesma moeda. Por exemplo, a ecologia cultural estuda a influência de variáveis ambientais no comportamento e nas culturas humanas; a sociobiologia estuda as bases biológicas do comportamento e a etnobiologia os sistemas de classificação da natureza. Todas estas questões existem entre a humanidade e a natureza e perdem o sentido se são consideradas exclusivas. Ou seja, não cabe a cada linha de pesquisa exocar tudo, mas contribuir muito para uma pequena parcela do conhecimento sobre a relação do homem com o ambiente.
No Brasil, estudos de ecologia humana sobre populações indígenas ocorrem especialmente na Amazônia e incluem, em particular, ecologia cultural, etnobiologia e, em menor escala, niodelos de subsistência. Exemplos relativamente recentes são encontrados em Neves (1989). Estudos sobre outras populações da Amazônia, como caboclos, pescadores ou migrantes estão em Moran (1983) e Fearnside (1986). Dentre as linhas expostas de ecologia humana, a de etnobíologia é bem representada no Brasil, com estudos sobre populações indígenas. Estudos sobre populações lítorâneas, como as de calçaras (SE Brasil) e de outros pescadores-agricultores incluem aspectos ecológicos como territorialidade (Forman, 1970), diversidade e modelos de subsistência (Begossi, 1992b; Begossi & Richersion, 1993a,b), etnoictiologia (Marques, 1991) e tabus alimentares (Begost, 1992c). Num contexto mais social, embora ambiental e conservacionista, encontram-se estudos em Diegues & Sales (1988) e Di-egues (1989, 1990).
No meio de polêmicas ideológicas e científicas, os modelos de subsistência têm sido muito úteis no entendimento do comportamento humano. É fundamental que sejam encarados como modelos analiticos, ou seja, ferramentas úteis para entendermos o que se passa entre o homem e a natureza.
Sociobiologia
A sociobiologia desenvolveu-se a partir dos anos 70 e inclui disciplinas como a etologia clássica, a ecologia evolutiva e a genética. Com relação à etologia, Fox & Fleising (1976) chamam a atenção quanto ao sucesso desta área sob Lorenz e Tinbergen, influindo também a primatologia de Washburn, a importância crescente da ecologia e os nonos avanços na biologia molecular, endocrinologia e neurologia.
A etologia clássica é uma precursora da sociobiologia, na medida que a base genética de comportamentos humanos é uma das abordagens da área. Os trabalhos de Lorenz (1963) sobre a agressão humana e as comparações entre os comportamentos humanos e os de outros animais (Ardrey, 1966; Morris, 1967; Tiger & Fox, 1971; Tinbergen, 1968) são exemplos clássicos de estudos de etologia.
Hamilton (1964) e Wilson (1975, 1978) são os precursores da sociobiologia. O primeiro ao desenvolver o conceito de aptidão inclusiva e o segundo com os trabalhos sobre socialidade em insetos e no homem.
O conceito de aptidão inclusiva engloba o valor adaptativo individual (prole) e a representação genética em parentes próximos. Por exemplo, entre insetos sociais (abelhas, formigas, vespas), pela característica peculiar da determinação do sexo nestes grupos, as irmãs são mais próximas geneticamente entre si do que com a mãe. Assim, como observado, a ajuda entre irmãs aumenta a aptidão inclusiva (Alcock, 1989). Dessa forma, comportamentos "altruísticos" passaram a ser explicados. Cabe lembrar que em biologia altruísmo significa um ato que aumenta as chances de sobrevivência e reprodução do receptor em detrimento destas no ator. Assim, o cuidado parental, o amor fraterno e as "obrigações familiares passam a ser explicadas pelo chamado índice ou coeficiente de parentesco. Este índice (r) é a probabilidade média de gens aserem compartilhados por dois parentes. Por exemplo, entre irmãos é de 50% e entre tio-sobrinho ou avô-neto é de 25%. A forma de calcular este índice pode ser encontrada em Barash (1977: 87) ou Dawikins (1976: 117).
Da interação da ecologia (evolutiva e de sistemas) com a antropologia, surge a ecologia cultural ou antropologia ecológica.
O livro Sociobiology de Wilson (1975) foi a semente. inicial da disciplina e de uma grande polêmica dentro das ciências biológicas e entre estas e as ciências sociais. Apesar de no Brasil termos tido pouco contato com a sociobiologia, por razões que não cabe discutir neste texto hoje a sociobiologia, é reconhecidamente uma disciplina importante e conta com periódicos conceituados comoo Behavioral Ecology and Sociobiology e Ethology and Sociobiology.
Uma das grandes contribuições da sociobiologia é ter questionado um antropocentrismo tão difundido nas ciências sociais. Mesmo sendo o homem 'tum caso especial evolutivo", de acordo com Wilson (1978), a evolução não tornou a cultura toda poderosa. Em outras palavras, a cultura é carregada por organismos que contém gens (Boyd & Richerson, 1981).
A contribuiçãxo daquele que pode ser considerado como o fundador da sociobiologia (E. O. Wilson) é extensa e o assunto é polêmico. Em 1975 e 1978, Wilson chamou a atenção para a flexibilidade comportamental humana, que teria base genética e sera mantida inclusive por falta de competição com outras espécies. Ao mesmo tempo, Wilson observou padrões comuns de comportamento humano em distintos povos e culturas. Ou seja, não há população humana sem família nuclear, sem formalização de parentesco, sem rituais sacros, sem ética ou regras de ação social, sem estética, sem estrutura gramatical e sem homossexualismo, dentre outros. As formas de expressão de comportamento podem variar entre os povos, mas o comportamento é o mesmo. Por exemplo, ponos com religiões diferentes acreditam em deuses com formas e em número diferentes. Entretanto, todos têm alguma forma de ritual sacro. O trabalho de Wilson, junto com Lumsden (1981, 1983) se tornou complexo, aprofundando mecanismos mentais e modelos sobre evolução humana. Exemplos são as regras epigenéticas, ou a canalização do desenvolvimento mental e os culturgens, que são um grupo homogêneo de construçoes mentais e seus produtos. Este último conceito assemelha-se ao que Dawkins (1976) chamou dememes (idéias, traços, culturais). Por exemplo, modas são um exemplo de um meme de curta duração e tradições exemplificam um meme de longa duração.
Em sociobiologia humana, muitos outros pesquisadores estudaram temas específicos. Alexander (1979) analisou as relações entre formalizações de parentesco e a proximidade genética. Por exemplo, a existência de sociedades matrilineais é explicada pela baixa confiança na paternidade e a transmisão da herança do homem para os filhos da irmã é uma conseqüência de pouca confiança em paternidade. Para ambos os casos, não vale a pena um indivíduo "investir" em filhos biológicos. Como os filhos da irmã são, com certeza, geneticamente relacionados ao indivíduos a herança é transmitida a eles. Mulder (1988) pesquisou os Kipsigis do Quênia e observou que um alto dote é pago para noivas jovens e um dote baixo é pago para noivas com filhos de outro homem. Os Kipsigis não adotam facilmente crianças. Outros trabalhos sobre parentesco, estratégias femininas e masculinas, individuais e grupais estão em Chagnon & Irons (1979).
Os trabalhos de Trivers (1971, 1985) sobre altruísmo são muito importantes nesta área. Atos altruístas humanos, são, por exemplo, a ajuda em momentos de perigo, a divisão de comida, ajuda a doentes, crianças e idosos e a divisão de conhecimento. O altruísmo inclui desde a dedicação paterna e o nepotismo (aí com aumento de aptidão inclusive) ao chamado altruísmo recíproco, quando o altruista pode ter uma recompensa não-genética. Assim, conforme a idade avança, tanto os custos como os benefícios do altruismo diminuem, porque a idade reprodutiva já passou e as possibilidade do indivíduo ser recompensado "em tempo" diminuem. A análise das relações de cooperação levaram Axerold (1984) a simular em computador como funciona o altruísmo recíproco em vista das possibilidades de trapaça (ato não recompensado. A estratégia échamada de "TIT-FOR-TAT" ("toma lá, dá cá"): comece cooperando e faça o que o oponente faz, ou seja, não coopere se for trapaceado mas aceite as desculpas e volte a cooperar. Nas populações humanas, as conseqüências do altruísmo, em todas as suas modalidades são a amizade, a agressão moral ou ingratidão (quando a trapaça é descoberta), a gratidão, a culpa e reparo e o senso de justiça. Xenofobia e atos de heroísmo são também analisados por Alexander (1979) como relacionados a altruísmo.
Outros sociobiólogos são Barash (1977, 1979, 1986), que analisa comportamentos de outros animais comparados ao do homem e Van der Berghe (1973), que estuda a sexualidade.
Cabe aqui uma pequena observação. A sociobiologia não pretende substituir explicações culturais, mas sim contribuir com dados genéticos que influenciam o comportamento. São faces diferentes da mesma moeda. Por exemplo, estudar o parentesco sob o ponto de vista biológico é tão fundamental como sob o econômico ou cultural (formação de alianças). Felizmente, o debate cultura versus gens foi praticamente superado e hoje não é mais levado a sério pelos estudiosos da área e pela comunidade científica.
A polêmica gerada pela sociobiologia foi intensa entre 1975-85. Iniciando-se como o Study Group of Science for the People esta disciplina foi acusada de determinista, de manter o status quo das desigualdades no mundo e foi considerada como uma teoria "de direita". De acordo com Wilson (1978), na revista Science for the People de Novembro de 1975, as críticas mais importantes deste grupo dirigiram-se ao deerminismo biológico e ao revisionismo soviético. Sahlins (1977) e Lewontin et al. (1984) analisam de forma crítica, e também ideológica, a disciplina. Vale a pena consultar Ruse (1983) sobre este debate.
Dentro da ecologia evolutiva, alguns pesquisadores criticaram algumas premissas da sociobiologia, que é a de coonsiderar a cultura sendo governada pelos mesmos mecanismos evolutivos que os gens e desta ser sempre considerada como "adaptativa" ("argumento das origens naturais" - Boyd & Richerson, 1985). Este grupo é o que defende a coevolução dos gens e da cultura e, sem desmerecer a grande contribuição sociobiológica, tenta avançar nos modelos de transmissão cultural.
A intereção da ecologia evolutiva com a etologia ajuda no surgimento da sociobiologia.
Modelos de Transmissão Cultural
Os precursores dos modelos de transmissão cultural encontram-se na década de 70. Um deles, Ruyles (1973), compara a "estratégia dos gens" para se reproduzirem com a "estratégia das idéais" para se reproduzirem na mente dos indivíduos. Cloak (1975) analisa como a seleção natural atua na cultura e discute a possibilidade de uma "etologia cultural". Em 1978, Durbam afirma que a seleção cultural écomplementar à seleção natural, sem a base genética da segunda e que o estudo do comportamento social humano deve integrar os mecanismos de herança genética e cultural. A comparação entre os dois sistemas é analisada por Durham en 1982.
Caminho semelhante éseguido por outros pesquisadores interessados na integração ou coevolução dos sistemas genético e cultural. CavalliSforza & Feldman (198l) definem cultura com ênfase na transmissão cultural, ou seja, sendo a capacidade de aprender e transmitir conhecimento entre gerações. A transmissão cultural vertical (pais para filhos), horizontal (mesma geração) e oblíqua (entre gerações) é analisada pelos autores citados junto com as forças de evolução cultural. Estas são mutação (erro ao copiar), seleção natural (quando um traço cultural aumenta as chances de reprodução, seleção cultural (probabilidades de que uma idéia aumente de freqüência em uma população). A difusão de inovações, ou de um traço cultural, écomparada a uma epidemia, quando há aumento de freqüência de um vírus. Os autores mostram que certos traços culurais podem não ter relação alguma com a aptidão, como beber coca-cola ou brincar com iô-iô, idéia compartilhada por Pulliam & Dunford (1980).
Os pesquisadores preocupados em entender o comportamento sob o ponto de vista genético e cultural focalizaram seus estudos em quatro aspectos: comparar sistemas de herança genético e cultural, entender as forças de transmissão cultural (seleção cultural, por exemplo), entender as principais estratégias de aprendizado humano em termos evolutivos (tentativa-e-erro, imitação e aprendizado social-Pulliam & Dunford, 1980) e calcular os "coeficientes de similaridade cultural" (análogos aos coeficientes de parentesco genético).
O coeficiente de similaridade cultural baseia-se na probabilidade de indivíduos dividirem a mesma idéia. Por exemplo, coeficientes de similaridade entre pais e filhos variam entre 0 e 1, dependendo do grau de influência dos pais. Pais ausentes tenderão a apresentar um coeficiente baixo em relação aos filhos. Estes coeficientes foram modelados para o entendimento de sistemas de parentesco e herança, como por exemplo matrilincaridade. Os resultados foram comparados aos de Alexander (1979) na sociobiología. A matrilinearidade, também explicada por alta incerteza da paternidade, aumenta as chances de ausência paterna e diminui sua influência no aprendizado da prole, apresentando coeficiente baixo entre pai e filhos e alto entre mãe e filhos. A cooperação foi também estudada em relação ao tipo de residência (patrilocal ou matrilocal). Onde há um maior coeficiente de similaridade cultural há maior cooperação, como entre irmãos de residência patrilocal (Pulliam, 1982; Werren & Pulhan 1981).
Boyd & Richerson (1985) sistematizaram as diferenças e semelhanças entre os sistemas genético e cultural e propuseram algumas forças de evolução cultural sem analogia com as genéticas. O modelo proposto chama-se herança dual (dual inheritance). De acordo com os autores, os mecanismos evoluüvos genéticos são conhecidos e falta entender os mecanismos evolutivos culturais.
As forças de evolução cultural de Boyd & Richerson (1985) são a) variação ao acaso (análoga àmutação): por exemplo, a tradição oral "muda" os fatos; b) oscilação cultural (análogo à oscilação genética): perdas de traços culturais ao acaso, em populações isoladas e pequenas; c) variação dirigida (guided variation): inclui aprendizado por tentativa-c-erro, introduz variação na população; d) seleção natural: comportamentos que aumentam as chances de sobrevivência aumentam de frequencia em uma população; e) transmissao desviada (biased transmission): inclui os desvios diretos, indiretos e dependentes de freqüência. Esta é uma das principais forças de evolução cultural, baseada na imitação, já que de acordo com Boyd & Richerson (1985) é muito menos custoso imitar que tentar-e-errar.
O desvio direto (direct bias) inclui a imitação de um comportamento sob observação, onde os resultados podem ser avaliados. Por exemplo, experimentar uma inovação após ter observado seus efeitos com terceiros. O desvio dependente de frequência (frequency dependent bias) significa imitar comportamentos muito comuns ou muito raros. A imitação de comportamentos comuns aumenta de chances de imitar um comportamento adaptativo ("em Roma faça o que fazem os romanos"). O desvio indireto (indirect bias) pode ser representado pela imitação do comportamento de um modelo, que pode ser um líder, um professor, um músico (imitar o modelo gera prestígio). Este tipo de imitação pode gerar traços comportamentais exagerados e mal-adaptados. Um exemplo é a forma exagerada de se tatuar na Polinésia, onde muitas vezes todo corpo era tatuado, sendo doloroso, perigoso e caro.
Estudos empíricos incluindo transmissão cultural podem ser exemplificados com estudos sobre difusão de inovações, onde a transmissão de uma inovação entre indivíduos é analisada, podendo incluir forças de evolução cultural diferentes em etapas diferentes do processo (Begossi, 1989; Begossi & Richarson, 1991; Bold & Richarson, 1985).
Os sistemas de herança genético e cultural nem sempre são concordantes, de acordo com Bop & Richerson (1985). Por exemplo, a maternidade precoce aumenta a reprodução genética mas pode diminuir a cultural. Uma forma de maximizar a reprodução cultural pode ser através de um trabalho relacionado à formação intelectual de pessoas.
Algumas das discordâncias desta linha de trabalho com a sociobiologia incluem a ênfase de que nem sempre um comportamento é adaptativo em termos genéticos, que a cultura não é um extensão do fenótipo (o fenótipo é o resultados de dois sistemas de herança) e que a imitação é uma das forças mais importantes de evolução cultural. Para uma crítica aos modelos de coevolução gens/cultura, veja Flinn & Alexander (1982).
O "objetivo" da natureza é minimizar o máximo de retorno ao consumidor (MINIMAX) e o do consumidor é o de maximizar o mínimo de retorno (MAXIMIN).
Ecologia Aplicada
Nesta linha de pesquisa são estudados os aspectos relacionados à ecologia de populações, em particular sobre a relação das populações humanas (aspectos demográficos) com a quantidade (escassez) e qualidade (poluentes) dos recursos disponíveis. O debate sobre conservação, manejo e diversidade se enquadra nessa linha. Para a análise sobre a biodiversidade, consultar Wilson (1988, 1992).
Um conceito básico e útil na ecologia aplicada é o de capacidade de suporte. Esta representa o limite máximo de indivíduos que um ambiente pode suportar e é representada por K na equação logística de P. Verhulst (1838) e R. Pearl/L. Reed (1918) (Kormondy, 1976; Putman & Wratten, 1984). Alguns pesquisadores têm se preocupado com a aplicação e operacionalidade do conceito de capacidade de suporte em populações humanas. Fearríside (1986) estudou a relação entre o tamanho da população e a agricultura de pequenos colonos. Estes estudos referem-se em particular à colonização na Transamazônica e a projetos de colonização em Rondônia (Fearnside, 1980, 1987). Por exemplo, a relação entre colonização, desmatamento, construção de escadas e capacidade de suporte foi simulada por Fearnside (1986).
Uma das perguntas restes estudos se refere a como medir a capacidade de suporte. Para a agricultura de pequenos colonos, que envolve queimadas e rotação de terras, existem propostas diferentes de diversos autores. Fearmide (1986) apresenta algumas fórtnulas utilizadas para se calcular a capacidade de suporte, onde K é definida como a área per capita máxima dísponível para a agricultura e onde o consumo médio/per capita/ano, o número de áreas por período de plantio e a produção são íncluídos na fórmula.
Outra abordagem da ecologia aplicada relaciona crescimento populacional com deterioração ou escassez de recursos a nível mundial. Esta abordagem foi na realidade iniciada por Malthus (1798), que alertou sobre o crescimento da população (em progressão geométrica) que não acompanharia o da produção (em progressão aritmética). Malthus chama a atenção para os "cheques" preventivos (casamentos tardios, por exemplo) e positivos (doenças, miséria) que seriam necessários ou conseqüência do crescimento populacional. Malthus foi bastante criticado por Marx & Engels (veja coletânea de textos em Meek, 1971). As linhas recentes nesse debate são definidas como neo-malthusianas, marxistas ou nenhuma das duas. Dentro do "neo-malthusianismo", os trabalhos de Ehrlich et al. (1973), 1977) são talvez os mais representativos.
Em 1968, Paul Ehrlich chamou muito a atenção sobre o problema do tamanho da população e da limitação dos recursos; com o livro "The population bomb". Em 1973 (p. 8), Ehrlich et al. no livro "Human Ecology" mencionam de forma alarmista que a população humana, o consumo de recursos e o impacto iio ambiente estão crescendo exponencialmente. Em 1977 é lançado por Ehrlich et al. um verdadeiro tratado de 1051 páginas (Ecoscience) onde são analisados os ciclos de nutrientes, a população humana, os recursos renováveis, energio materiais e poluentes, incluindo tambem análises sobre controle populacional e mudanças sócio-políticas. Para estes autores, o controle populacional éa meta principal para amenizar o impacto das populações no ambiente e assegurar um nível de vida razoável às populações do Panes. Na década de 80, Ehrlich & EhrEch, (1986a) continuam a chamar a atenção para a destruição de recursos (combustíveis fósseis, so!os, espécies), deterioração do ambiente, desigualdades econÔmicas dentro e entre países, separatismos étnicos e religiosos, fome e desemprego. Para estes pesquisadores, estes aspectos se relacionam e derivam, basicamen'te, de um mundo superpopuloso. Ehrlich & Ehrlich (1 986b) afirmam que apesar de no passado a humanidade ter aumentado com sucesso sua capacidade de suporte com mudanças tecnológicas, este processo tem limites e existem razões para acreditar que estes limites chegaram. Outro pesquisador muito conhecido por esta abordagem éHardin (1967).
Outros estudos conhecidos com este enfoque foram o relatório do Clube de Roma (Meadows et al., 1972) e o Global 2000 (Barney, 1980). De acordo com este estudo, em 2030 existirão 10 bilhões de pessoas no planeta. Além disso, em regiões como as da África do sub-Saara e do Himalaia a capacidade de suporte foi excedida e a erosão da terra não garante más a produção de alimentos. No caso da região do subSaara, vale mencionar o estudo de Franke & Chasin (1980), que com outro enfoque, encontraram no colonialismo uma parcela fundamental de responsabilidade pela degradação ambiental naquela região.
A abordagem neo-malthusiana foi criticada por marxistas (Meek, 1971; Castellón, 1988) e não marxistas (Murdoch, 1980). De acordo com Meck (1971), existem recursos disponíveis mas pouca gente pode comprálos para os marxistas, pobreza e superpopulação são gerados pelo sistema de produção capitalista (Castellón, 1988).
O modelo mais utilizado em ecologia humana é o modelo de forrageamento ótimo, que tem sido amplamento usado para entender o comportamento dos animais.
Outra crítica ao neomalthusianismo é a de que a população deve ser uma variável dependente e não independente. Ou seja, a superpopulação é camada pela pobreza. Murdoch (1980) analisa, sob este ponto de vista, como a pobreza rural causa explosão populacional e como limita a produção de alimentos. Esta premissa está baseada na racíonalidade da decisão de ter muitos filhos em famílias pobres: os filhos ajudam no trabalho e garantem segurança e sustento na velhice. Além disso, pode ocorrer também a chamada "sobreprodução" de filhos: em situações de miséria, já que muitos filhos morrem ou têm grande chance de morrer por problemas de subnutrição ou doença (os "cheques positivos" de Malthus), então ter um número grande de filhos "garante" a sobrevivência de alguns. Esta lembra a "estratégia r" em organismos. Em ambientes considerados instáveis (ex. estágios iniciais de sucessão) uma estratégia adaptativa é investir em quantidade e não em qualidade ("estratégia K") (Puttman & Wratten, 1984), Para uma revisão do assunto veja Caldwell (1982).
Em sumo pelo menos duas questões permanecem no debate sobre população e disponibilidade de recursos: a) quanto maior a população maiores são a demanda por recursos e o "lixo" produzido por sua utilização - qual é este limite (K) ? Ou seja, mesmo com aumento da produção através de mudanças tecnológicas, esbarra-se no limite ambiental, h) se a pobreza é um dos fatores que contribui para o aumento populacional, o crescimento populacional não será somente resolvido com planejamentos familiares. Distribuição de recursos é o fator fundamental, Na prática, todas as abordagens mencionam de alguma forma estes aspectos, mas as prioridades são diferentes. Em setembro de 1989, um volume especíal da Scientific American foi dedicado à questão do manejo do planeta, incluindo o crescimento populacional (Managing planet earth).
Cabe também mencionar a linha de Boserup (1981) na antropologia, que relaciona o crescimento populacional com a mudança tecnológica. O primeiro impulsionaria a segunda e a história poderia ser analisada desta forma. Apesar desta linha ser considerada contrária à neo-malthusiana, existem tentativas de conciliar as duas (Lee, 1984).
Finalmente, dados recentes sobre a si,uação ambiental e populacional no mundo foram muito divulgados por diversas agências internacionais no Forum Global 92, Rio de Janeiro. A publicação Sociedade civil planetária (Nepam/Unicamp: no prelo) inclui uma avaliação dos tratados propostos durante o Forum Global.

Conclusões

As abordagens de ecologia humana expostas neste trabalho, como a ecologia cultural, a etnobiologia, a sociobiologia, os modelos de subsistência e de transmissão cultlural, e a ecologia aplicada têm um ponto comum: todas apresentam uma base ecológica com forte conteúdo biológico. Para entender a relação do homem com a natureza é necessário conhecer ambos e os conceitos e modelos analíticos de ecologia são uma contribuição para o entendimento da natureza e da relação entre as populações humanas e esta.
Não há divergência entre as linhas apresentadas: ao contrário, elas são complementares pois abordam perguntas diferentes e têm metodologias próprias de trabalho. São faces diferentes de uma mesma moeda. Por exemplo, a ecologia cultural estuda a influência de variáveis ambientais no comportamento e nas culturas humanas; a sociobiologia estuda as bases biológicas do comportamento e a etnobiologia os sistemas de classificação da natureza. Todas estas questões existem entre a humanidade e a natureza e perdem o sentido se são consideradas exclusivas. Ou seja, não cabe a cada linha de pesquisa exocar tudo, mas contribuir muito para uma pequena parcela do conhecimento sobre a relação do homem com o ambiente.
No Brasil, estudos de ecologia humana sobre populações indígenas ocorrem especialmente na Amazônia e incluem, em particular, ecologia cultural, etnobiologia e, em menor escala, niodelos de subsistência. Exemplos relativamente recentes são encontrados em Neves (1989). Estudos sobre outras populações da Amazônia, como caboclos, pescadores ou migrantes estão em Moran (1983) e Fearnside (1986). Dentre as linhas expostas de ecologia humana, a de etnobíologia é bem representada no Brasil, com estudos sobre populações indígenas. Estudos sobre populações lítorâneas, como as de calçaras (SE Brasil) e de outros pescadores-agricultores incluem aspectos ecológicos como territorialidade (Forman, 1970), diversidade e modelos de subsistência (Begossi, 1992b; Begossi & Richersion, 1993a,b), etnoictiologia (Marques, 1991) e tabus alimentares (Begost, 1992c). Num contexto mais social, embora ambiental e conservacionista, encontram-se estudos em Diegues & Sales (1988) e Di-egues (1989, 1990).

Ativo e Passivo Ambiental

Por: Werno Herckert
Cresce a nível mundial a preocupação com a riqueza das células sociais em relação ao meio ambiente natural. Tanto é que se criou a Contabilidade Ambiental algumas vezes  chamada também Contabilidade dos Recursos ou Contabilidade Econômica e Ambiental Integrada. Isso graças ao apoio   generoso da Fundação C. S. Mott, de Flint, Michigan, Estados Unidos.
FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E O MEIO AMBIENTE
No início do século, Eugen Schmalenbach, expoente da doutrina reditualista na Alemanha, manifestou em sua teoria dinâmica da riqueza a preocupação com o social. Entendeu ele que a formação do rédito não depende só da azienda, mas da influência do ambiente externo onde está inserida.
Também Rudolf Dietrich, aziendalista-socialista da Alemanha, defendeu que a azienda deveria estar a serviço da sociedade, produzindo, empregando e fortalecendo o Estado. Mas para que isto ocorresse, dizia que a comunidade também deveria contribuir para com o fortalecimento da azienda.
E mais recente  Lopes de Sá, em sua teoria das funções sistemáticas, abriu caminho para uma estrutura de doutrina competente volvida ao ambiental, com a preocupação básica da eficácia do fenômeno patrimonial e a eficácia do fenômeno ambiental natural.
Lopes de Sá (1999) escreveu que: tal conciliação das duas eficácias, é uma nova ótica que a doutrina contábil não havia ainda considerado até há pouco tempo, mas, imprescindível para o desenvolvimento de uma contabilidade aplicada ao meio ambiente.
Toda célula social tem uma função social e  tem obrigação de não poluir o ambiente natural onde ela está localizada (espacialidade). Poluindo está prejudicando a comunidade e a natureza.        
O patrimônio da célula social influência e é influenciada pelo  meio ambiente  natural.
E sobre esta matéria ensinou Lopes de Sá (1999), parece-me axiomático que o entorno ecológico transforma-se com o transformar da riqueza das células sociais e a riqueza das células sociais se transforma com o transformar do entorno ecológico?. Ou seja, portanto:  ?há uma inequívoca interação transformadora entre o ambiente natural e o patrimônio das células sociais. Ou ainda, que o patrimônio, quer o ambiente natural, sujeitam-se às leis supremas da transformação e as de um regime de inteiração.
Ainda ensinou  Lopes de Sá (1999), o papel da empresa vai, cada vez mais, transcendendo limites meramente privados e só esse caminho, realmente, no próximo milênio, ensejará maior equilíbrio entre o capital e o humano coletivo.
Não se pode anular o empreendimento individual, nem lhe tirar o objetivo do lucro, mas, é preciso que dele se exija o exercício de uma consciência volvida para o ambiente que permite, inclusive, a existência das atividades lucrativas.
A empresa deve contribuir, precisa investir em preservações ambientais, mas, também, necessário se faz que os Poderes Públicos incentivam e compreendam esta tendência. Tudo deve convergir para o objetivo maior e que é o da sobrevivência da espécie humana sobre a terra.

ORIGEM E APLICAÇÃO DE RECURSOS NO MEIO AMBIENTE
Segundo Milton A. Walter (1978), os recursos financeiros necessários à atividade   econômica das empresas são originadas de fontes internas e externas. As fontes externas abrangem todas as obrigações assumidas pela empresa. Denomina-se Passivo Exigível. As fontes internas correspondem ao capital acumulado dos proprietários da empresa. São conhecidos por Capital Próprio ou Patrimônio Líquido.
Os recursos procedentes de fontes internas e externas são aplicados em bens e direitos que compõem o Ativo.
A empresa deve gerar recursos para investir na recuperação daquilo que ela utilizou a  natureza.
Há empresa que polui e destrói mais a natureza que outras.
A que mais polui deve pagar mais a que menos polui deve pagar menos. Isto é óbvio.
Uma fábrica de papel precisa de madeira e deve aplicar recursos em reflorestamento.  Uma indústria de cimento deve ter recursos para investir em chaminés despoluentes. Um posto de gasolina que faz lavagens de carros, troca de óleo etc. deve construir açudes de decantação para evitar a poluição de derivados de petróleo nos riachos, rios etc.  A empresa deve criar contas que geram recursos. Esses recursos devem ser aplicados na recuperação da natureza. Deve-se criar modelo  eficaz de harmonia entre o patrimônio da empresa, o social e a natureza.
LUCRO E O MEIO AMBIENTE
Objetivo básico da empresa é a geração de lucro. Esse foi o pensamento de algumas   escolas da contabilidade. 
Na doutrina Reditualista, Eugen Schmalembach deu prioridade ao rédito mais que ao patrimônio. Entendeu ele que o sucesso ou insucesso da empresa depende dos lucros que ela possa gerar ou não. 
             
Afirmava ele que a conta Lucros e Perdas é que era essencial e que determinava o conteúdo do Balanço. 
Fredrich Leitner pregava a maximinização do lucro como objeto de estudos. Também defendia a compra ao mais baixo preço e a venda ao mais alto preço possível.
Zappa, do azendalismo, também, atribuiu extrema importância ao rédito. Mas de uma  forma peculiar.
Admite que não só o capital é fonte de rédito: sobrepõe-se a ele a inteligência diretiva e o montante de forças, aptas a cumprirem o trabalho por meio do qual a autoridade eminente consegue a materialização dos fins que justificam a própria existência da azienda. (Ver mais detalhes em História Geral e das Doutrinas da Contabilidade do Prof. Lopes de Sá)
              
Segundo Lopes de Sá, o rédito é um fenômeno que provém da ação humana, da natureza, do capital, pois muitos são os fatos endógenos e exógenos que influem sobre o capital é inequívoco, mas para o patrimonialismo ele é um fenômeno do capital.
Ainda diz, o fenômeno do rédito acontece quando o capital (aqui entendido como todo o patrimônio da empresa), volvido à obtenção da finalidade lucrativa, varia, por efeito de sua movimentação em decorrência da atividade desenvolvida para a utilização do mesmo?. (1998, p.205)
A empresa pode ter lucros e gerar desemprego, poluir o ambiente etc.
Segundo Kroetz (2000), podemos ter um balanço patrimonial que apresente elevados resultados, mas que comparado como o balanço social demonstre atitudes negativas por parte da empresa, as quais mascaram o lucro auferido, ou seja, pode uma industria ter lucro contábil, mas a forma de geração do resultado é altamente prejudicial ao meio ambiente.
Outra empresa pode ter prejuízo mas ter um excelente desempenho social com o pessoal, investindo em qualidade de vida de seus funcionários, na capacitação funcional, na contribuição de instituições não lucrativas que beneficiam a comunidade, na preservação do meio ambiente natural  etc.
É relevante a observação e analise destes fatos.
A partir daí questiona-se sobre a conceituação do lucro (resultado ou resultabilidade), pois, passa a ser relativo quando feitas comparações com modelos de gestão.
O uso do capital não pode prejudicar a vida das pessoas, dos seres, da natureza, enfim nem no presente nem no futuro.
E sobre isto ensina  Lopes de Sá (1999), estamos diante de um processo de degradação dos níveis de vida naturais que podem, em breve tempo, inviabilizar a existência do homem sobre a terra, se prosseguirem as agressões ambientais.
Ainda, segundo Boff (1999), cuidado todo especial merece nosso planeta Terra. Temos unicamente ele para viver e morar. É um sistema de sistemas e superorganismo de complexo equilíbrio, urdido ao logo de milhões e milhões de anos. Por causa do assalto predador do processo industrialista dos últimos séculos esses equilíbrios estão prestes a romper-se em cadeia. Desde o começo da industrialização, no século XVIII, a população mundial cresceu 8 vezes, consumindo mais e mais recursos naturais; somente a produção, baseada na exploração da natureza, cresceu mais de cem vezes. O agravamento deste quadro com a mundialização do acelerado processo produtivo faz aumentar a ameaça e, conseqüentemente, a necessidade de um cuidado especial com o futuro da Terra. 
  
O uso inadequado dos recursos naturais vem prejudicando seriamente o equilíbrio da natureza. Há uma séria ameaça de contaminação da água a nível mundial.  Há sérias ameaças de extinção de várias espécies de arvores, de animais, de peixes, de aves,  inclusive do tubarão. Cada empresa tem o dever de procurar modelos de eficácia na aplicação de seus recursos sem prejudicar o meio ambiente. Urgente se faz em reverter este quadro de destruição  pelo uso  inadequado dos recursos naturais. É importante a conscientização a nível mundial, da necessidade urgente do cuidado com o planeta terra. É nossa casa. Esta precisa de uma reorganização.
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO MEIO AMBIENTE NATURAL
Cresce a importância das auditorias nas grandes células sociais para avaliar os custos ambientais presentes e futuros. Cresce a importância da Contabilidade  Social e Ambiental. Crescem os investimentos das células sociais na recuperação e preservação ambiental. O Ativo e o  passivo ambiental  não podem ser mais ignorados.
Conforme a professora de economia da UFRJ, Dália Maimon (1999), o passivo ambiental é avaliado mediante auditoria especializada nas unidades produtivas da empresa,  identificada as não conformidade com os requisitos legais e com sua política ambiental. Em seguida, faz-se a avaliação da área contaminada para que finalmente as soluções sejam valorizadas monetariamente.
Ainda segundo Maimon, as três principais categorias de custos que compõe o passivo ambiental são: (1) Multas, taxas e impostos a serem pagos em face de inobservância de requisitos legais; (2) Custos de implantação de procedimentos e tecnologias que possibilitam o atendimento às não conformidades; (3) Dispêndios necessários à recuperação da área degradada e indenização à população afetada.
Segundo  Pedro Pereira Guedes, mestre em Agronegócios: ?Este conjunto de mensurações torna complicada a avaliação da degradação ambiental face a dificuldade de estipular critérios objetivos de análise, como na determinação dos efeitos da poluição atmosférica e hídrica causada pela empresa?.
Para contornar o problema, sugere Guedes, ?a criação de indicadores regionais e setoriais de desempenho ambiental que auxiliam no cálculo do custo ambiental?. 
  
É complexa a criação de critérios de avaliação da poluição ambiental, mas necessária. Cada município deve criar seus critérios de avaliação dos danos à natureza pela empresa.
Avaliar a poluição da atmosfera feita por uma empresa é difícil. Como avaliar essa poluição? Qual o critério a ser adotado? E   na poluição hídrica? Na contaminação ambiental por vazamento de energia nuclear? Na contaminação dos rios por venenos aplicados na agricultura? Na contaminação da água potável? Na origem de doenças geradas por poluição ambiental?
EXAUSTÃO DE RECURSOS NATURAIS
Segundo Gouveia (1976), o método para calcular a exaustão de recursos minerais ou florestais é idêntico ao método de depreciação pela estimativa de produção. Consiste em obter o valor da exaustão por unidade, e multiplica-lo pela quantidade extraída em cada ano, até a exaustão total dos recursos. A vida útil, no caso de recursos minerais e florestais, é determinada pela estimativa de unidades de produção que serão extraídos dessas fontes. Exemplificando, suponhamos uma jazida do minério Z adquirida por $ 100.000,00, sendo estimada sua capacidade em 800.000 toneladas (vida útil). O valor de exaustão de cada tonelada será:
      
    $ 100.000    =  $ 0,125 por tonelada 
              800.000 t
Supondo que no primeiro ano sejam extraídas 200.000 toneladas de minério, o valor da exaustão desse ano seria de $ 25.000 (200.000 t x $ 0,125). Sendo extraídas 120.000 toneladas no segundo ano, a exaustão será de $ 15.000. Quando a jazida estiver completamente esgotada, o valor da exaustão total corresponderá ao custo histórico da jazida.
A exaustão dos recursos naturais vai prejudicar o meio ambiente como também a empresa que faz uso destes recursos  como matéria prima. Com a escassez  de matéria-prima utilizada pela empresa ela gerará ineficácia por não satisfazer suas necessidades e também, como isto, gerará ineficácia no meio ambiente por exaurir os recursos naturais. Uma empresa de celulose que não gerar recursos para reflorestamento chegará um ponto que não haverá mais arvores para ser utilizada como matéria prima. Uma fábrica de palitos que não repuser as árvores cortadas, terá sua produção seriamente afetada, gerando ineficácia patrimonial  como também ineficácia ambiental. A indústria do pescado deve fazer com que não haja desequilíbrio na reprodução dos peixes, caso contrário, terá ineficácia dos meios patrimoniais. O progresso que todos desejam deve ser feito com uso racional do meio ambiente natural, devolvendo-lhe  aquilo que lhe for tirado. 
CONCLUSÃO
A contabilidade, segundo Fayol (1970),  o órgão de visão das empresas. Deve revelar, a qualquer momento, a posição e o rumo do negócio. Deve dar informações exatas, claras e precisas sobre a situação econômica da empresa.
A  contabilidade não pode ficar fechada à escrituração e mensurações quantitativas do patrimônio  da empresa. Ela deve estar aberta á evolução tecnológica e às mudanças rápidas do mundo moderno.  Estar presente na luta pela preservação ambiental natural, criando modelos contábeis  eficazes e orientados o empresário na aplicação destes modelos para satisfazer as necessidades da riqueza da empresa com eficácia e, também, satisfazer com eficácia  as necessidades do meio ambiente natural.
Também, ensina Lopes de Sá (1999), pouco adianta, para fins humanos, que estejamos  apenas demonstrar que se investiu tanto ou quanto na solução de problemas ecológicos ou em interesses sociais, se não conhecemos, pela reflexão, as bases lógicas de uma interação entre a célula e os seus entornos, entre a empresa e o  meio em que vive, entre a instituição e a sociedade.
BIBLIOGRAFIA
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Werno Herckert
Contador
Membro da Academia Brasileira de Ciências Contábeis
Membro da Associação Científica Internacional Neopatrimonialista
Membro da Corrente Científica Brasileira do Neopatrimonialismo

ECOLOGIA HUMANA: UM ENFOQUE DAS RELACÕES HOMEM-AMBIENTE

RESUMO

Neste texto são apresentadas as principais linhas contemporâneas de pesquisa em ecologia humana. A interação de populações humanas com o ambiente é analisada sob o ponto de vista da ecologia e de disciplinas afins, como a antropologia. Inicialmente são expostos alguns aspectos da ecologia de sistemas e evolutiva, que junto com outras disciplinas formam a base da ecologia cultural, etnobiologia e sociobiologia. Sobre a ecologia cultural, são descritos os trabalhos de precursores, com relação aos conceitos e métodos de ecologia cultural e evolução multilinear (J. Steward) e à associação entre energia gasta e complexidade cultural (L. White). São também citados os trabalhos dos neofuncionalistas, como M. Harris e R. Rappaport, e de neoevolucionistas, em particular referentes à pesquisas realizadas sobre a Amazônia. Finalmente, a linha de antropologia processual, considerada como parte da ecologia cultural, é brevemente descrita. A área de etnobiologia inclui a análise dos sistemas de classificação popular, ou seja, de como as diferentes culturas percebem, conhecem e classificam a natureza. Sobre a sociobiologia, alguns trabalhos de W. Hamilton, E. O. Wilson e P. Trivers, dentre outros, são expostos, incluindo os conceitos de aptidão inclusiva e de altruismo recíproco. Modelos oriundos da ecologia, usados para analisar o comportamento humano, também são analisados. Estes são os modelos de subsistência, usados para entender procura e obtenção de alimento e os modelos de transmissão cultural, que incluem em particular a coevolução en tu gens e cultura. Os modelos de subsistência incluem os modelos de decisões, o goal model, e a teoria de jogos, dentre outros. Entretanto, atenção especial é de dicada ao modelo de forrageamento ótimo. Os modelos de transmissão cultural podem incluir o coeficiente de similaridade cultural e as forças de evolução cultural de R. Boyd e P. Richerson. Finalmente, aspectos de ecologia aplicada, com ênfase em crescimento populacional e disponibilidade de recursos, são discutidos. Vale mencionar a complementaridade das linhas de pensamiento e pesquisa apresentadas, já que incluem perguntas e metodologias próprias. Cabe a cada linha contribuir muito para o entendimiento de uma pequena faceta da relação homem-ambiente. / PALAVRA CHAVE / Ecologia Humana / Etnobiologia / Sociobiologia /

Apesar da ecologia humana se basear em conceitos oriundos da ecologia, ou seja, de uma das sub-áreas da biologia, a ecologia humana, não é necessariamente vista como uma das ramificações da ecologia. Para muitos, estudar a "relação do homem com o ambiente" inclui tantos outros fatores (como econômicos, sociais, psicológicos) que a ecologia humana transcende a ecologia. Para outros, a ecologia humana tem objetivos e metodologias mais específicos e que incluem entender o comportamento humano sob variáveis ambientais. Para estes, generalizar acerca da ecologia humana implica em perda de precisão.
Além disso, a utilização de conceitos ecológicos por outras áreas, como sociologia e antropologia, por exemplo, tem causado polêmica devido a imprecisões de definição e de utilização. Exemplo são os conceitos de adaptação (Alland & MacCay, 1973), nicho (Hardesty, 1975, 1977) e ambiente (Bruhn, 1974; Boyd & Richerson, 1985). Em relação ao conceito de adaptação, um dos problemas é entender o que isto significa para a espécie humana: sucesso reprodutivo? Adaptação do indivíduo ou do grupo? O conceito de nicho tem sido amplamente utilizado em ciências sociais como sinônimo de habitat (Diegues 1983: 38, 83), quando sua definição é muito mais ampla e envolve uma gama de variáveis ambientais (Pianka, 1983). Quanto ao ambiente é comum incluir "ambiente social" como uma variável ambiental, o que significa ampliar o conceito de ambiente ao aplicá-lo a populações humanas. Fica-se então entre várias "ecologias humanas" oriundas de áreas diferentes e com conceitos muitas vezes indefinidos ou pouco claros, ou com uma ecologia humana "reducionista".
Na realidade, neste século, a ecologia humana percorreu caminhos diferentes, dependendo de sua origem disciplinar. Dentro da área de ecologia, também encontram-se enfoques distintos, decorrentes de linhas da área como também de conjugações diferentes entre áreas (ecologia/antropología, ecologia/demografia).
De acordo com a revisão de Bruhn (1974), áreas como a antropologia, geografia, sociologia e psicologia apresentam desenvolvimentos próprios de ecologia humana. Na área de geografia, chegou-se a considerar que todo este campo deveria ser chamado de "ecologia humana".
Na sociologia, as bases iniciais da ecologia humana foram influenciadas por H. Spencer e E. Durkheim. De acordo com Fischer-Harrierausen (1976), a ecologia humana derivada Morfologia social (Morphologie sociale) de Durkheim e nos anos vinte foi: estabelecida especialmente por R. Park na Universidade de Chicago. Rojo (1991) considera 3 períodos com contribuições diferentes: de 1910 a 1940, quando as bases teóricas para uma "teoria sociológica de sistemas" são aprofundadas, de 1950 a 1960, com estudos demográficos e a partir de 1970, com enfoque interdisciplinar e ênfase em política ambiental.
Em particular, a "Escola de Chicago" causou bastante polêmica no início deste século. Desta época, bastante conhecido é o "modelo de zonas concêntricas" (concentric zone model) de Burgess (1925). Neste modelo, a cidade (no caso Chicago) é distribuída em zonas concêntricas ao redor de um nódulo central que é dominado por atividades comerciais e industriais. Na área residencial, o status social sobe com a distância, ao ponto central. A Escola de Chicago utilizou conceitos como competição e sucessão em seus estudos. Desta linha de pesquisa surge a "ecologia fatorial" (factorial ecology) onde métodos estatísticos, como análise de componentes principais e multivariada, são aplicados ao estudo das distribuições espaciais em cidades (Cater & Jones, 1989). A área de "ecologia urbana" é certamente associada em seu início à Escola de Chicago e à sociologia. Cabe entretanto ressaltar que também na arquitetura surgiram estudos de planejamento urbano baseados em conceitos da ecologia (Malmberg, 1986).
Outra área que merece destaque é a de epidemiologia, também chamada de ecologia humana. Esta linha, com influência marcadamente européia, é representada no "centro Europeu de Ecologia Humana" em Genebra. O periódico Ecologia humana y saludda Organizagáo Panamericana de Saúde (OMS) também representa esta linha.
Há ainda na Europa (França) a escola de Etnologia Social que é considerada uma escola de ecologia humana onde os objetivos centrais são a comparação entre sociedades industriais e não-industriais (Malmberg, 1986).
Nos Estados Unidos, desde a segunda metade deste século, a ecologia humana tem sido bastante associada à ecologia/antropologia, e o periódico "Human Ecology" é certamente um exemplo desta abordagem.
Outras abordagens ainda são a "ecologia social", onde relações econômicas e sociais em conjunto com variáveis ambientais são estudadas, como o trabalho de Watt (1975) sobre uso de energia e terra. Há ainda a "psicologia ambiental", com enfoques na percepção ambiental ou nos efeitos de poluentes sobre o comportamento humano (Evans, 1980); Evans & Jacobs, 1981). Pesquisadores de diversas abordagens são encontrados em Borden (1986) e no Directory of human ecologists organizado por Borden & Jacobs (1989).
A discussão ao redor do que deve ser a ecologia humana ainda persiste. Ou seja, deve esta ser uma disciplina ou estar diluída em várias disciplinas? Fuchs (1976) ao comentar o "Primeiro Encontro Internacional de Ecologia Humana", em Viena, Áustria, acredita que esta pode ser uma nova disciplina com sistemática e metodologia próprias. Esta visão é compartilhada por Malmberg (1986). Richerson (1977) sugere que pode ser desenvolvida uma teoria em ecologia humana a partir de similaridades teóricas entre as ciências biológicas e sociais.
O objetivo deste trabalho não é aprofundar a questão acima, mas sim apresentar o que é ecologia humana "dentro da ecologia". Longe também de ser uma única linha de trabalho, esta pode ser dividida em pelo menos 3 abordagens: a de sistemas, a evolutiva e a aplicada ou demográfica. Atenção especial será dada à ecologia evolutiva, onde serão abordados aspectos de antropologia (ecologia cultural e etnobiologia) e modelos de ecologia animal e evolução cultural (modelos de subsistência e de transmissão cultural). As abordagens citadas não se contrapõem e são conjugadas em algumas áreas, como na ecologia cultural que inclui as ecologias de sistema e evolutiva.
... áreas como a antropologia, geografia, sociologia e psicologia apresentam desenvolvimentos próprios de ecologia humana.
Ecologia de Sistemas
A teoria de sistemas originou-se de áreas como cibernética, engenharia, teoria da organização industrial, epidemiologia e psicologiagestalt. Este método tem sido aplicado com sucesso no estudo do fluxo de energia em organismos e comunidades (Rodin et al. 1978). Para os pesquisadores que trabalham com manejo de recursos, a abordagem sistêmica garante a computação de informações relevantes para a toma de decisões sobre utilização de recursos (Churchman, 1979).
De acordo com Odum (1972), a aplicação de procedimentos de análise de sistemas em ecologia ficou conhecida como "ecologia de sistemas". Esta abordagem focaliza o estudo do ecossistema. De acordo com Huston et al. (1988), a pesquisa de ecossistema trata da interação entre os organismos e o ambiente num nível acima do indivíduo. Por exemplo, os nutrientes e a produtividade de florestas são modelados e medidos em hectares e grupos de espécies são vistos como produtores, consumidores ou decompositores.
Os ciclos de nutrientes e fluxos de energia tornam as diversas partes do planeta interligadas. Assim, uma floresta, um lago, o mar, ou o planeta constituem um ecossistema (Smith, 1975) Este enfoque tem como linha principal de estudo o ciclo de nutrientes, as cadeias alimentares e o fiuxo de energia entre os organismos (ou seja, o estudo do aspecto funcional do ecossistema). Ecólogos de sistemas, como Margalef (1968), definem a ecologia como "a biologia dos ecossistemas". O estudo do fluxo de energia dentro de um sistema é a "ecologia energética". Nesta linha, Phillipson (1977) define o estudo da ecologia como o estudo das inter-relações dentro de ecossistemas.
Quanto ao estudo do homem, Margalef (1977) considera dois enfoques: a) considerando o homem como uma espécie a mais componente dos ecossistemas; b) como dois sub-sistemas (homem/natureza). O primeiro é enfatizado, como mais científico e o segundo como mais prático. Na realidade, o primero enfoque tem sido característico das ciências biológicas e o segundo das sociais.
Na linha de ecologia humana de sistemas destaca-se o estudo clássico de H. Odum (1971). De acordo com este autor, a natureza, em sua estrutura e função, consiste de animais, plantas, microorganismos e sociedades humanas. As partes vivas são interligadas pelo fluxo de substâncias químicas e energia. A parte do sistema que envolve intercâmbios humanos inclui partes referentes à troca de informações (linguagem) e trocas econômicas (monetárias). H. Odum (1971) utiliza conceitos e modelos de ecologia de sistemas/energética para descrever, dentre outros, modelos de subsistência (caça/agricultura), políticos e religiosos. Nestes modelos, símbolos de redes elétricas são utilizados.
Brandt et al. (1980) desenvolveram um modelo que simula o balanço energético anual de indivíduos e famílias de uma hipotética comunidade Quechua pastoril e agrária dos Andes. Variáveis como diferentes culturas, produtividade, fatores abióticos e doenças fazem parte do modelo, como também são apresentados os fluxos de energia de uma família Quechua.
Um estudo recente, no Brasil, de ecologia humana de sistemas é o de Fearnside (1986). Neste estudo, a relação entre população, agricultura, alocação da produção e capacidade de suporte é simulada em Fortran-IV. O "agroecossistema" simulado inclui inputs como qualidade dos solos, dados metereológicos, tipos de colonos (fatores ecológicos e sociais). Estes inputs geram valores referentes à capacidade de suporte do ambiente.
Ainda sob um enfoque ecossistêmico, ou com uma abordagem holista, vale citar os livros de Boughey (1975) e Campbell (1983). Estes autores adicionaram a esta abordagem a origem e evolução do homem.
Ecologia Evolutiva
A ecologia é definida por Pianka (1983) como o estudo das interrelações dos organismos com o ambiente. Este é definido como a soma total dos fatores físicos (abióticos) e biológicos (bióticos). Cada organismos é membro de uma população, espécie ou comunidade. A ecologia evolutiva visa entender a relação dos indivíduos/populações com o ambiente*. O conceito de fitness(adaptabilidade) é um dos pilares da ecologia evolutiva. Fitness é a capacidade de um organismo se perpetuar e é medido pelo sucesso reprodutivo deste organismo. Avaliar o sucesso reprodutivo de um organismo é fundamental para enentender a relação organismo/ambiente porque o sucesso reprodutivo é de erminado pelo status do organismo dentro de sua população, pelas associações interespecíficas deste e pela comunidade em que este se encontra.
______________________________
*sob esse enfoque, as partes de um sistema nao são "caixas pretas".

Nesse sentido, a seleção natural, a genética e a ecologia de populações são o cerne da ecologia evolutiva. De acordo com Pianka (1983), a seleção natural é o único conceito em ecologia que pode ser considerado como uma lei. Para a maioria dos biólogos, a seleção natural opera em indivíduos através de seus fenótipos. Neste sentido, o nível de estudo da ecologia evolutiva não está no "ecossistema como um todo" mas na relação dos indivíduos/populações com o ambiente. Para uma discussão sobre a unidade de seleção, veja Willems, 1966; Wilson, 1975 e Wynne-Edwards, 1986; Dawkins (1979: 21-31). em particular, é bastante didático. Além disto, estudos que envolvem populações de espécies diferentes (uma comunidade) também são parte da ecologia evolutiva.
Em populações humanas, o conceito de nicho ecológico tem sido bastante útil, sendo este em geral estimado através de índices de diversidade (Hardesty, 1975, 1977). Modelos de "predador-presa" também são usados para entender o comportamento de coleta, caça e pesca.
Da interação da ecologia (evolutiva e de sistemas) com a antropologia, surge a ecologia cultural ou antropologia ecológica. Apesar da forte influência evolutiva na ecologia cultural, a ecologia de sistemas também influenciou na disciplina, em particular entre os neo-funcionalistas dos anos 60. A interação da ecologia evolutiva com a etologia ajuda no surgimento da sociobiologia. Os modelos de subsistência usados em populações humanas, bem como os de transmissão cultural (ou evolução cultura), provém da ecologia evolutiva.
Neste texto, não serão discutidos problemas gerados pelo uso equivocado de conceitos evolutivos no início deste século, como o do "darwismo social". Estes problemas, como também a falsa contraposição de cultura versus gens, podem ser considerados como superados pela ciência atual. Pretendo abordar as linhas contemporâneas, ou seja, as que surgiram a partir dos anos 40-50.
... também na arquitetura surgiram estudos de planejamento urbano baseados em conceitos da ecologia.
Ecologia Cultural
A ecologia cultural ou antropologia ecológica nasceu nos Estados Unidos, em meados deste século, com Julian Steward e Leslie White. Tanto Steward como White foram seguidores de Boas (escola do particularismo histórico ou historicismo cultural). Evolucionistas do século passado, como Tylor (1871), Morgan (1871) e Engels (1884) influenciaram os ecólogos culturais. Orlove (1980) definiu três etapas da antropologia ecológica: a primeira, que inclui os trabalhos de Steward e White; a segunda, com o neoevolucionismo e neofuncionalismo e a terceira chamada de antropologia ecológica processual.
White (1943) explica a evolução cultural em termos de gastos de energia propondo "leis de evolução cultural". Para este autor, quanto maior a complexidade cultural, maior a energia/per capita/ano gasta. Para White, tecnologia e sociedade formam a base para a ideologia, e através das invenções tecnológicas há uma maior captura de energia possibilitando o crescimento populacional. Um exemplo desta abordagem é a comparação entre os Incas e os Índios da Amazônia: entre os Incas havia irrigação e maior densidade populacional que na Amazônia, onde o cultivo dava-se através de queimadas.
Steward (1955) propõe conceitos e metodologias para a ecologia cultural. Para ele, a cultura inclui tecnologia, economia e organização social. O conceito de culture core ("cerne cultural") é introduzido por Steward e este é definido como todas as características culturais relacionadas à subsistência e economia. O estudo da ecologia deve então ser o estudo do cerne cultural. Un dos exemplos do emprego deste método encontra-se no estudo sobre os índios Shoshone (1938). A ênfase de Steward está no estudo da quantidade qualidade e distribuição de recursos.
Outra contribuição importante de Steward (1955, 1977) é a de evolução multilinear. Em vez da evolução ser unilinear, como pensavam os evolucionistas do século passado, a cultura evolui através de várias linhas diferentes. Cada linha desta inclui culturas diferentes, mas com certas similaridades que relacionam-se a pressões ambientais semelhantes. Um exemplo é o surgimento das chamadassociedades hidráulicas, ou seja, de estados despóticos ou impérios em ambientes áridos, onde foi praticada a irrigação, como na Mesopotâmia, Egito, Norte da China, Norte do Peru e Mesoamérica. Ou ainda os chamados bandos patrilineais de caçadores que viviam em baixa densidade em ambientes com recursos esparsos, com tecnologia simples e lideranças temporárias. Estes eram, dentre outros, os Bosquímanos (Kalahari), Pigmeus (Congo), Semang (Maldsia), Negritos (Filipinas), Aborigenes (Austrália) e Ona (Terra do Fogo). Fazendo uma analogia com a biologia, estes seriam casos de convergêngia.
Orlove (1980) ressaltou que os neoevolucionistas consideraram Steward e White corretos, enquanto os neofuncionalistas os criticaram. Para Steward e White, a unidade de análise é a mesma, ou seja, a'cultura. Já para os neofuincionalistas, a unidade de estudo éa população. Os neofuncionalistas utilizam muito o conceito de adaptação, que não está estritamente relacionado à sobrevivência e reprodução, como em biologia (veja revisões de Alland, 1975 e Alland & McCay 1973).
Na linha neofuncionalista destacam-se pelo menos duas áreas: uma preocupada em encontrar variáveis ambientais que expliquem determinados comportamentos ou hábitos culturais e que inclui análises de custo/benefício dos mesmos e outra que utiliza energia, ciclo de nutrientes e ecologia de sistemas em suas análises. M. Harris; é um representante da primera e A. Vayda & R. Rappaport da segunda.
Harris (1979) ficou conhecido pela proposta do materialismo cultural. Nesta linha, infra-estrutura inclui os modos de produção, ou tecnologia e práticas de subsistência, e de reprodução, ou as práticas para expandir ou limitar a população. A estrutura inclui a economia doméstica (organização familiar, divisão de trabalho, dentre outros) e a economia política. A superestrutura inclui, por exemplo, os símbolos, mitos e ideologias. De acordo com o materialismo cultural, existem 4 componentes socioculturais: os éticos, que são a infra-estrutura, estrutura e super-estrutura, e a super-estrutura mental ou êmica (categorias, valores, filosofias, crenças). Para um aprofundamento dos conceitos de ético e êmico veja Harris (1976).
Harris (1977, 1985) também ficou muito conhecido por tentar explicar comportamentos bizarros (canibalismos e tabus alimentares, por exemplo). O canibalismo azteca é explicado por ele como uma forma de satisfazer as necessidades de proteína animal de uma população que vivia numa área onde ruminantes eram ausentes. Alimentar patos, perus e cachorros com cereais tornava muito custosa a alimentação, ainda mais quando nem sempre a agricultura era produtiva. Os aztecas sacrificavam os prisioneiros, cujos corpos eram jogados das pirâmides e recolhido em casas (calpulli) onde eram recortados e distribuídos à população. A quantidade de crânios pendurados em estacas de praças aztecas era impressionante, de acordo com as descrições históricos da época. Outro estudo conhecido do autor é sobre o tabu da vaca sagrada na índia. No caso, a conclusão de M. Harris é a de que a vaca é muito importante para ser eliminada (tabu de uso), por garantir o leite e o arado da terra, dentre outros (o consumo da vaca eliminaria seus benefícios).
A análise de custo/benefício usada por M. Harris tem influência evolutiva. Neste tipo de raciocínio está implícito o valor adaptativo de um determinado comportamento, que deve apresentar mais beneficios do que custos para permanecer na população. Entretanto, cabe a crítica de que nem toda característica é sempre "adaptativa" (Gould & Lewontin, 1978) e de que pode existir uma certa inércia cultural (tradições, por exemplo) ou mesmo traços; mal adaptados (Boy & Richerson, 1985). Uma extensão da linha materialista, tão característica dos anos 80, é a aplicação dos modelos de ecologia evolutiva (como forrageamento ótimo, por exemplo) na análise da subsistência das populações humanas.
Um trabalho clássico na linha de ecologia cultural, usando a abordagem sistêmica é estudo de Rappaport (1968) sobre o ritual do povo Maring (Tsembaga, Papua, Nova Guiné). Neste ritual, a guerra e o sacrifício e consumo dos porcos criados pela comunidade são descritos. Quando a quantidade de porcos aumentava próximo à capacidade de suporte, estes eram sacrificados numa grande festa onde eram formadas alianças e distribuída grande quantidade de carne. A regulação do sistema, homeostase e seleção de grupo são utilizados neste tipo de análise (veja Anderson, 1975, para uma revisão). É comum na descrição destes sistemas certa confusão entre causa e conseqüência como também circularidade nos argumentos (Richerson, 1977). Peoples (1982) reanalisou os dados de Rappaport (1968) sob o ponto de vista de seleção individual e não de grupo. Foin & Davis (1984) sugeríram, usando outros modelos, que o "festival de porcos" dos Tsembaga não tem um papel importante na regulação do ecossistema.
Hardesty (1975, 1977) aborda vários conceitos de ecologia aplicados ao estudo de populações humanas e utiliza, em particular, índices de diversidade para comparar a utilização de recursos por populações humanas. O conceito de nicho ecológico é aprofundado por este autor.
De uma maneira geral, o neofuncionalismo ao considerar a população como uma unidade de estudo deixa de analisar diferenças internas da população. Por exemplo, no caso do tabu da vaca sagrada na índia, as diferenças no consumo de carne pelas diversas castas são ignoradas.
Os neoevolucionistas podem ser exemplificados pelo debate sobre a origem da agricultura e do estado e sobre a disponibilidade de recursos na Amazônia (Orlove, 1980). Vale destacar a hipótese de Carneiro (1970) sobre circunscrição geográfica e a origem do estado. As culturas das regiões do Nilo, do Tigre e Eufrates, da Meso-América e do Peru são comparadas com aquelas sem estado da Amazônia.
Em particular sobre a Amazônia, Meggers (1971) inicia o debate sobre a complexidade das culturas da várzea em comparação com as de terra firme. Gross (1975) propõe a hipótese de escassez de proteína animal na Amazônia, criticada por Chagnon & Hames (1980). Este debate é analisado em detalhe por Neves (1989).
A discussão ao redor do que deve ser a ecologia humana ainda persiste.
Uma outra linha de trabalho, ainda em ecologia cultural, e crítica aos materialistas é a representada por Sahlins (1976). Para Sahlins, o principal na análise dos comportamentos é a ideologia e não o ambiente. O debate Sahlins/Harris ficou conhecido e pode ser exemplificado pelo estudo dos tabus alimentares. Sahlins (1976) considera critérios simbólicos para explicar porque certos animais são consumidos pelos americanos e outros não. Há um gradiente do não comestível/semelhante àhumanidade ao comestível/diferente da humanidade que pode ser representado pelos itens cachorro-cavalo-porco-gado. Ou seja, o cachorro é menos çomestível porque é más semelhante; dése nome e carinho ao cachorro. Esta linha é incluída na antropologia simbólica e em particular, no estudo dos tabus alimentares, a influência de Douglas (1966) é forte. Os simbolistas criticam o critério de utilidade e as análies de custo/benefício dos materialistas, considerados por eles como reducionistas; os materialistas consideram as abordagens simbolistas dentro de critério popperiano, como não falséavéis ou científicas.
A antropologia processual pode ser considerada como a ecologia cultural dos anos 80. Como na ecologia evolutiva, a unidade de análise passa a ser o indivíduo e conceitos de adaptação e nicho são utilizados. Aspectos demográficos e econômicos (sistemas de produção e economia política) são incluídos. Os objetivos são entender os processos de mudança e o comportamento dos indivíduos nestes processos.
Mudanças sociais e econômicas e difusão de inonações são assuntos para a antropologia processual. Alguns exemplos são a linha de Boserup (1981), relacionada ao desenvolvimento tecnológico e crescimento populacional, a de Vayda & McCay (1975) com relação a respostas de indivíduos ou grupos a situações de catástrofes ambientais (secas e enchentes, por exemplo) e a de McCay (1978) que inclui estratégias adaptativas. Essas estratégias são exemplificadas na reação de uma população de pescadores (Fogo Island, Newfoundland, Canadá) à sobrepesca: alguns procuram trabalhos (diversificação) e outros buscam formas de obter melhores resultados na pesca (intensifição).
Finalmente, cabe citar o trabalho de Netting (1977), que sistematizou conceitos e debates na área de ecologia cultural, incluindo populações de caçadores-coletores, pescadores, pastores e horticultores.
Etnobiologia
A etnobiologia originase da antropologia cognitiva, em particular da etnociência, que busca entender como o mundo é percebido, conhecido e classificado por diversas culturas humanas. A etnobiologia tem como objetivo analisar a classificação das comunidades humanas sobre a natureza, em particular sobre os organismos. Por isso, disciplinas como botãnica, ecologia e zoologia são fundamentais, caso não se tenha a intenção de ter apenas uma abordagem êmica.
Lévi-Straus (1962) é um dos iniciadores da área de etnobiologia, ao analisar os sistemas de classificação populares e compará-los com os científicos. Berlin (1973) define 3 áreas de estudo em sistemática folk: a da classificação, que estuda os princípios de organização de organismos em classes, e da nomenclatura, onde são estudados os principios lingüísticos para dar nomes às classes da classificação folk e a da identificação, que estuda a relação entre os caracteres dos organismos e a sua classificação. De acordo com o autor, na maioria das taxonomias folk existem 5 categorias: iniciador único (unique begginer), forma de vida (life form), gênero, espécie e variedade.
Uma das perguntas básicas nos estudos de etnobiologia se refere à existência ou não de regras ou princípios universais de clasificação. Berlin (1973) e Boster et al. (1986) sugerem que a semelhança entre as toxonomias científicas e folk reforçam esta hipótese, como também reforçam a idéia da realidade das espécies.
A área de etnobotânica é aquela onde se encontram mais estudos de etnobiologia. Na área de etnozoologia, a etno-ornitologia e etnoietiologia são mais difundidas. A etnofarmacologia estuda os remédios folk, em geral baseados em plantas medicinais (Etkin, 1988), sendo também muito difundida. É provável que a "utilidade" explique a maior existência de estudos nestas áreas. Ou seja, existem mais estudos onde há classificação folk mais detalhada. Por exemplo, plantas medicinais são usadas em todas as culturas humanas, pássaros são úteis como alimento e ornamento para muitas populações e peixes são úteis para alimento e comércio. Entretanto, a hipótese da "utilidade" é ainda o centro de um debate na área. Lévi-Strauss (1962) defende a idéia de que as espécies animais e vegetais são úteis ou interessantes porque são primeiro conhecidas. Além disto, o autor acredita que conhecimentos tão detalhados de tantas culturas não se devem só a sua utilidade prática. Entretanto, Berlin (1973) observa que os taxa a nível de espécie em taxonomias folk raramente incluem mais de 3 membros, exceto aqueles de extremo significado cultural. Cabe lembrar que "utilidade" aqui deve ser vista não só em termos de alimento, medicina ou troca. Muitas vezes uma espécie é importante por ser perigosa. Por exemplo, conhecer bem as serpentes deve ser vantajoso em termos de sobrevivência. Para detalhes sobre esta polêmica, veja Hays (1982).
No Brasil, os trabalhos de Posey (1983a,b) sobre etnobotânica, etnoentomologia e etnoecologia com os índios Kayapó merecem destaque. Trabalhos sobre etnoictiologia também são comuns (Begossi & Garavello, 1990; Silva, 1988) e um dos mais profundos, que inclui comparações entre conhecimento científico e popular de peixes (morfologia, alimentação, habitat, dentre outros), é o de Marques (1991). Um estudo de etnomedicina (classificação popular de doenças) por Maués (1990) também inaugura uma nova área no Brasil.
Os estudos de etnobiologia em geral incluem levantamentos de espécies e "etnoespécies" e têm contribuído para planos de manejo e conservação de ecossistemas. Os trabalhos de Posey et al. (1984) e de Prance et al. (1987) são exemplos. Para aprofundar este assunto, vale a pena consultar um número especial da revista American Ethnologist (1976) dedicado à etnobiologia (folk biology).
Em populações humanas, o conceito de nicho ecológico tem sido bastante útil, sendo este em geral estimado através de índices de diversidade (Hardesty, 1975, 1977).
Modelos de Subsistência
Esta área passou a ser bem definida nos anos 80 e se refere ao entendimento da relação homem-ambiente a partir do conhecimiento das relações humanas com a exploração de recursos. Os "modelos de subsis,ência" são provenientes da arqueologia e da ecologia evolutiva e utilizados para entender o comportamento humano na procura, obtenção e escolha de recursos para consumo. O objetivo de utilizar estes modelos analíticos é que estes permitem fazer previsões sobre comportamentos em situações específicos. Os dados coletados no campo são então comparados às previsões do modelo e é esta comparação que nos permite aprofundar o conhecimento sobre uma determinada população em dado tempo e lugar.
Quase todos os modelos de subsistência usados na área de ecologia têm alguma base ou influência microeconômica. Os conceitos de ótimo e de utilidade, dentre outros de microeconomia, são empregados em ecologia evolutiva (Rapport & Turner, 1977). De acordo com Real & Caraco (1986), nos últimos 20 anos a aplicação de modelos econômicos em biologia se generalizou e hoje existe um crescente consenso de que teorias ecológicas e econômicas são estreitamente relacionadas.
Os modelos de subsistência referem-se, em particular, à procura e obtenção de alimentos por indivíduos de uma população. Bettinger (1980) apresentou uma revisão detalhada destes modelos, amplamente usados no estudo de populações de caçadores-coletores e horticultores. Desta revisão, vale ressaltar: a) "goal model" - usado para analisar a exploraçao de recursos por grupos onde variáveis como densidade e mobilidade do grupo e peso dos recursos são importantes; b) modelos de decisões -o consumidor escolhe entre um gradiente de certezas/incertezas com graus variados de riscos. O objetivo do consumidor é o de maximizar ganhos e minimizar custos para obter um grau máximo de satisfação. Por exemplo, se os riscos são baixos, o objetivo é o MAXIMAX, ou seja, maximizar o máximo de retornos. Se os riscos são altos, o objetivo é o MAXIMIN, ou maximizar o mínimo de retornos; c) teoria de jogos - os consumidores e a natureza são considerados jogadores. O "objetivo" da natureza é minimizar o máximo de retorno ao consumidor (MINIMAX) e o do consumidor é o de maximizar o mínimo de retorno (MAXIMIN). A teoria de jogos foi aprofundada, em especial, por Maynard Smith (1989); d) programação linear - o objetivo do consumidor é a solução mais econômica (menos custosa). Esta pode ser obter o retorno desejado (minimização) ou obter o máximo dentro das circunstâncias (maximização), que são definidas por variáveis (como calorias, proteínas, prestígio, dentre outras) incluídas em uma matriz. São então apresentadas soluções "ótimas" onde cada recurso tem um valor determinado.
O modelo mais utilizado em ecologia humana é o modelo de forrageamento ótimo, que tem sido amplamente usado para entender o comportamento dos animais. Stephen & Krebs (1986) analisaram 72 trabalhos envolvendo o estudo de forrageamento ótimo em animais, entre 1970-80, e só em 9 estudos foram encontradas inconsistências completas com o modelo. Em ecologia humana, os anos 80 foram os mais produtivos em termos de publicações de forrageamento, ótimo em populações humanas (veja Human Ecology).
Os trabalhos clássicos de Emlen (1966) e de Mac Arthur & Pianka (1966) deram início à teoria de forrageamento ótimo. A premissa básica deste modelo é que a aptidão de um animal depende de sua eficiência ao forragear (procurar e obter alimento). O modelo permite fazer previsões sobre escolha de alimento (dieta ótima), de recursos agregados ou locais para forragear (manchas), de tempo de permanência em manchas e de recursos obtidos levando-se em conta o local de residência ("central place foraging"). Para maiores detalhes sobre o modelo, veja Schoener (1977), Pyke (1984) e Stephen & Krebs (1986). Sobre trabalhos de forrageamento ótimo em ecologia humana, veja Winterhalder & Smith (1981) e Setz (1989). Na maioria dos estudos, o recurso é medido em calorias. O modelo de forrageamento ótimo pode ser usado para entender o comportamento de pescadores, podendo inclusve contribuir para propostas de manejo de estoques pesqueiros. Begossi (1991, 1992a,b) estudou o tempo de viagem e tempo de residência em manchas (locais de pesca ou "pesqueiros") por pescadores da Ilha dos Búzios (SP) e da Baía de Sepetiba (RJ).
A aplicação do modelo de forrageamento ótimo em populações humanas é um ponto polêmico entre ecólogos culturais. Por um lado, Sahlins (1977) questiona a aplicação de "modelos capitalistas" em populações animais e sua subsequente aplicação em populações humanas. Sob outro enfoque, Sih & Milton (1985) questionam medir os recursos em calorias (ou só em calorias) no caso de populações humanas. A inclusão de outras variáveis no modelo é não só viável, mas também recomendável no estudo de populações humanas. Por exemplo, pescadores da Ilha dos Búzios escolhem os peixes baseando-se na quantidade de espinhas e no preço, dentre outras variáveis, e não estritamente em calorias (Begossi, 1989).